Reflita

Um caminho para a compreensão
da essência da loucura


*Por Ronaldo Jesus

O que quer que os mortais geralmente digam de mim - e não ignoro quanta má fama que tenho pela filosofia, dentre os mais loucos - todavia, eu digo, eu sozinho acalmo com a minha influência os homens que me rondam. E as provas mais convincentes: que logo que aqui cheguei, diante da numerosa assembléia, todos os rostos, vossos aplausos e sorrisos em seus bancos de esperança à espera de um milagre.
É como acontece quando o sol mostra à terra o seu belo rosto dourado, ou como vemos, nos grandes montes onde habitamos, o duro inverno, de novo, na encantada primavera, a brisa sopra a sua suave carícia, e como que sobre o esplendor do Criador tudo muda de  aspecto e assume nova cor, e como uma nova juventude renasce; do mesmo modo vós, ao  ver-me, e o que os grandes oradores podem a custo conseguir, com longos discursos longamente meditados com interpretações um tanto quanto emocionalistas sem muitos resultados, eu, ao meu ver, num instante do acalanto do povo que é conduzido, penso, embora o tormento das preocupações me vem a ferir.
O próprio Cristo, que é a Sabedoria do Pai, de certa maneira se fez estulto Ele mesmo para vir em socorro à loucura humana, quando, assumindo a natureza humana, apresentou-se como homem; do mesmo modo que se fez pecado, para nos redimir do pecado. E com seu sacrifício, e sua determinada missão, não quis nos redimir senão com a loucura da cruz, e valendo-se de apóstolos indoutos e obtusos, aos quais deliberadamente prescreveu as vossas insipiências, afastando-se da plena sabedoria divina, chamando-os a seguir o exemplo das crianças, dos lírios, da mostarda e dos passarinhos.
Mas, para não entrar em grandes delongas, e para oferecer-vos a essência das coisas, em minha opinião toda religião cristã tem uma espécie de parentesco com a loucura e, absolutamente, não se dá bem com a sabedoria. Se porventura queres provas, observai, em primeiro lugar, aqueles que mais encontram prazer nas funções sagradas e em todas as coisas da religião, que se acostam sempre aos altares, mas que não conseguem ao menos olhar ao redor de uma sociedade à procura de uma vida plena com o seu Criador. Em segundo lugar, vede todos aqueles primeiros fundadores da igreja: eles abraçavam uma vida de extraordinária simplicidade e eram inimigos irreconciliáveis da cultura, dos povos, da sabedoria, da filosofia, do conhecimento.
       Finalmente, não existem loucos mais desvairados do que aqueles que alguma vez se deixaram tomar pelo ardor da piedade cristã: dissipando os seus bens, sem se preocupar com as ofensas, deixando-se enganar, não distinguindo amigos de inimigos, tendo horror ao prazer, alimentando-se de jejuns, vigílias, lágrimas, labutas e injúrias, desinteressados da vida, não ansiando senão a morte. Resumindo, tornando-se, parece, absolutamente insensíveis ao senso comum, como se o espírito estivesse noutro lugar, e não dentro do corpo. E o que é isso senão loucura? Não é de surpreender que os apóstolos parecessem bêbados de vinho doce, ou que São Paulo tenha parecido louco ao juiz Festo.

*Ronaldo Jesus é bacharel em Teologia (FAESP), Especialização em Hebraico Bíblico (FATISP), Certificado em Aramaico Bíblico (USP), cursando Filosofia (UNIFAI), profº do Núcleo de Teologia da FAESP e profº de Escola Bíblica Dominical na Assembléia de Deus

Nenhum comentário:

Postar um comentário